Thursday, May 18, 2006

O herege Código Da Vinci

O Arcebispo da Cantábria já tinha dedicado boa parte do seu sermão da Páscoa a criticar a “obsessão” Código Da Vinci, antecipando a adaptação do livro de Dan Brown para o grande ecrã.

O Papa, também na Páscoa, misturou num só discurso o papiro recentemente descoberto do "Sermão de Judas" (link para a National Geographic), que os arqueólogos consideram remontar a 300 D.C., e o Código Da Vinci.

Agora é a imprensa mais à direita (um pouco por toda a Europa e Américas) a criticar o filme, veiculando as obscurantistas mensagens da Opus Dei, entre outros.

Como tudo na igreja católica, o método de abordagem responde a uma lógica bem sofisticada: misturar o filme (ficção) com o "Sermão de Judas" (descoberta arqueológica) e esperar que tudo passe por ficção!

Não lhes ocorre, por exemplo, que a coisa possa funcionar ao contrário, conferindo verosimilhança à teoria da conspiração inerente ao Código Da Vinci, precisamente pela celeuma que algo ficcional parece ter despertado no seio da igreja.

Até parece que há conspiração, afinal!

Tampouco lhes ocorre que ignorar o "Sermão de Judas" não mais é do que uma de tantas arbitrariedades que regem o saturado dogma cristão.

Papiros são papiros, escritos por homens diferentes em tempos distintos. Que a igreja escolha uns em detrimento de outros por melhor convergirem com a mensagem que deseja divina, enfim, cada um come do que gosta. Agora, excitar os atavismos censores que outrora queimavam "bruxas" na fogueira é que não, que diabo!

Por algum motivo dizia Picasso que "o gosto é inimigo da arte", uma manifestação criativa que se quer espontanea. Logo, criticá-la para lá do "gosto/não gosto" - ou pior ainda - criticar antecipadamente quem possa vir a gostar, vale tanto como questionar os fundamentos de qualquer religião, mas ainda o filme estava a ser feito e já o rebanho se agitava.

Retirem-lhe a liberdade criativa e a arte passa a ser uma encomenda. Retirem-lhe a fé (ou vontade de acreditar) e a religião passa a ser um mito.

E nesta dualidade a religião fica claramente a perder, porque para quem não tem vontade de acreditar, o Código Da Vinci é apenas ficção sobre ficção. A primeira inventada há três anos e a ultima há dois milénios.


Com o dia do juizo final já não há problema...

Curioso que o remake de "The Omen" (Click to link), sobre o puto nascido com a marca da Besta 666 - o anticristo! - não gere um quarto das atenções.

Será por tratar-se de (mais) uma interpretação do "Livro das Revelações", em que os pecadores finalmente enfrentam o dia do juizo final?

Será porque tudo nesta religião é concêntrico ao medo? Medo de morrer (como em todas as outras religiões do Ocidente), medo do desconhecido, medo de não ter lugar na comunidade e medo de que o "Além" não passe de "Aquém" (como dizia Breton)?

O mesmo medo que reconhece a arte por detrás dos corpos despidos, estropiados e torturados na "Tentação de Santo Antão" (Bosh), mas não nos voluptuosos e libertinos de uma "Filosofia na Alcova" de Sade?

Que não se chateia com um filme sobre o juizo final, mas que estremece com o livro que adiciona uma mulher ao quadro da última ceia de Cristo?

Sinceramente, em pleno século XXI, de que serve uma religião que teima em permanecer na Idade Média?